A angústia de Paulo pelo seu povo...

 

Os capítulos 9 - 11 de Romanos são um problema: são estes capítulos uma digressão ou uma questão principal? Paulo parou de descrever o evangelho, e começou a falar do papel do povo Judaico no plano de Deus.

Um tema que Paulo continua desde capítulos anteriores é o de Deus não mostrar parcialidade. A salvação não é só para os Judeus - é também para os Gentios. Mas desistiu Deus dos Judeus? De modo algum!

Respondendo obj_cções

Quando Paulo escreveu esta êpístola ele estava em Corinto, esperando viajar para Roma no seu caminho para Espanha (15:23-24). Mas primeiro, ele planeou levar um presente das igrejas Gregas -para Jerusalém (versículos 25-29), e Paulo sabia que muitos Judeus oviam e ao seu evangelho com hostilidade.

Por isso quando Paulo escreveu aos Romanos ele tinha um olho nos Gentios, e outro nos Judeus de Jerusalém. Paulo não"está apenas a ensaiar a sua mensagem para os Gentios; está também a ensaiar o que dirá em Jerusalém.

Ele responde a uma objecção: Se o evangelho é prometido nas Escrituras Judaicas, então porque tão poucos Judeus aceitam esta mensagem? Paulo afirmou que o evangelho tinha raízes no Velho Testamento, mas porque haveria alguém de acreditar no evangelho se as pessoas que melhor conheciam as Escrituras, os Judeus, não aceitaram esta mensagem? A rejeição Judaica do evangelho estava a minar a mensagem de Paulo. Teria Deus desistido do povo Judaico e em vez disso virado para os Gentios? E se ele tivesse feito isso, podemos ter a certeza que Ele não abandonaria os Gentios também? Porque estaria a maior parte dos Judeus a rejeitar a livre dádiva que Paulo estava a oferecer?

 

Vantagens dos Judeus

 

Paulo começa o capítulo 9 com uma forte asserção: "Eu falo a verdade em Cristo - eu não estou a mentir, a minha consciência confirma-o através do Espírito Santo - tenho grande mágoa e angústia'incessante no meu coração".

O capítulo 8 terminou com regozijo e confiança no amor de Deus, e de repente Paulo diz que está cheio de angústia. Ele nem sequer disse porquê - adia isso para efeito retórico até ao versículo 3. Ele acaba de dizer que nada poderá afastar-nos do amor de Deus, e contudo diz, "Porque desejo que eu mesmo fosse amaldiçoado e afastado de Deus...". Está a fazer um enorme contraste, desejando algo que ele disse ser impossível.

O que o encheu de angústia? É "pelo amor do meu povo, daqueles da minha raça, o povo de Israel" (versículos 3-4). Tal como Moisés se ofereceu para se entregar por Israel (Êxodo 32:32), Paulo também diz que está desejoso de ser afastado da salvação, se tal for possível, para que o seu povo seja salvo.

Porque começa ele com uma asserção tripla de que ele está a dizer a verdade? Provavelmente porque alguns pensavam que tinha abandonado °r seu povo. .

Paulo tem uma preocupação profunda pelo seu povo, e está convencido que sem Cristo eles dirigem-se para a destruição, apesar das suas vantagens. Ele menciona algumas vantagens: "A adopção é deles; a glória divina é deles, as alianças, o recebimento da lei, a veneração do templo e as promessas" (versículo 4).

 

Os Gentios tinham muitas destas vantagens também - podem ser adoptados por Cristo, oferecidos a glória divina, uma nova aliança e promessas maravilhosas. Mas Paulo refere-se a acontecimentos especiais na história de Israel: quando Deus adoptou a nação no Êxodo; quando a glória de Deus encheu o tabernáculo;

 

As alianças dadas a Abraão, Moisés, Lévi e David; os sacrifícios rituais e as promessas dadas através dos profetas.

Essas coisas eram um avanço na salvação, poder-se-ia pensar, mas não ajudaram muito. Os Judeus estavam tão orgulhosos destas boas coisas que desprezavam a melhor coisa - Cristo. Se a salvação está em Cristo, então não está na lei nem na adoração do templo, e muitos Judeus não estavam dispostos a aceitar a não importância relativa de uma coisa que sempre foi uma importante parte da sua cultura e religião.

Paulo menciona mais duas vantagens Judaicas no versículo 5: "São deles os patriarcas, e a partir deles é traçada a ancestralidade humana do Messias, que é Deus acima de tudo, eternamente louvado! Ámen." Este versículo é um dos poucos em que Jesus é chamado de Deus. A gramática é por vezes debatida, mas parece muito provavelmente que o Messias é êhamado de Deus e é lhe feito uma doxologia apropriada a Deus. Mas a observação principal de Paulo aqui é que Jesus é um Judeu, a realização das promessas concedidas aos patriarcas.

Então se Israel tem isto' tudo, qual é o problema? Paulo não o diz directamente! Mas insinua que, dado que os Judeus rejeitaram Cristo, estão a perder a salvação, o que dá a aparência de que as promessas de Deus para eles foram quebradas.

 

A liberdade de Deus para escolher

 

Paulo começa a colocar o problema no versículo 6: "Não é que a palavra de Deus tenha falhado. Porque nem todos os que descendem de Israel são Israe1." A raiz do problema é se a palavra de Deus é verdadeira, se Ele é fiel às Suas promessas. Paulo aponta então que não podemos esperar que todos os Judeus sejam herdeiros da promessa.

No versículo 7 Paulo dá provas: "Não é porque são os seus descendep.tes que eles são todos filhos de Abraão". Alguns dos descendentes de Abraão não são considerados seus filhos; estão deserdados. Paulo cita Génesis 21: 12 como prova: "É através de Isaac que os teus descendentes serão calculados". Ismael era filho de Abraão mas não foi considerado seu desce[1dente para o objectivo da promessa - a promessa foi feita aos filhos de Isaac.

"Por outras palavras, não são os filhos naturais os filhos de Deus, mas são os filhos da promessa que são vistos como a descendência de Abraão. Foi assim que a promessa foi feita: No momento referido voltarei, e Sara terá um filho" (versículos 8-9, citando Génesis 18: 14). Apenas Isaac era filho da promessa. Mas a selectividade de Deus não terminou aqui - nem mesmo todos os filhos de Isaac estão entre o povo escolhido.

Versículos 10-13: "Não apenas isso, mas os filhos de Rebeca foram concebidos ao mesmo tempo pelo nosso pai Isaac. Contudo, antes dos gémeos nascerem ou terem feito alguma coisa boa ou má - de modo a que o objectivo de Deus na eleição pudesse subsistir: não pelas acções mas por Ele que Chama ­disseram-lhe, ' O mais velho servirá o mais novo' [Génesis 25:23]. Tal como estáescrito [Malaquias 1: 2-3]: 'Amei Jacob, mas odiei Esaú"'.

A palavra odiar não insinua ódio como nós o conhecemos - a construção é uma figura de discurso Hebraica para enfatizar o amor pelo outro. Deus abençoou Esaú, mas não o escolheu para a afiança que deu a Israel. Em vez disso, a promessa foi transmitida pela linha de Jacob.

Tudo isto confirma a observação que Paulo fez no versículo 6: nem todos os Israelitas são o povo de Deus. Deus pode escolher as pessoas com quem trabalha, e quando, e para qualquer objectivo. Ele tinha um objectivo especial para Israel, e não escolheu todos para esse papel.

Mas Paulo ainda não resolveu o problema com o qual começou - se Deus não dá a salvação a todos os descendentes de Jacob, o que tem de bom ser descendente de Jacob? Parece que Deus não mantém as Suas promessas.

 

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A liberdade de Deus para conceder misericórdia

 

No versículo 14, Paulo aborda a questão de um ângulo diferente: "Que diremos então? Deus é injusto?" Deus escolhe algumas pessoas e não outras, e isto não parece justo - especialmente se se pensar que Deus fez uma promessa de salvar todos os Judeus.

Mas Paulo responde no versículo 14: "De modo algum! Pois ele disse a Moisés, 'Terei misericórdia de quem tiver misericórdia, e terei compaixão de quem tiver compaixão'" (Êxodo 33:19). É uma questão de misericórdia, não de justiça. A surpresa não é que algumas pessoas estejam de fora - o milagre é que algumas são salvas! Deus pode dar misericórdia a quem quiser, sem ser injusto para os outros (Mateus 20: 15).                  _

Paulo conclui, "Não depende, por isso, do desejo humano ou do esforço, mas da misericórdia de Deus" (versículo 16). A salvação é pela graça, não pelo que queremos ou fazemos.

 

A liberdade de Deus para endurecer corações

 

É fácil mostrar que a misericórdia é justa, mas Paulo também tem que incluir o oposto, porque parece que Israel está a endurecer.

Ele começa com o exemplo do Faraó: "Porque a Escritura diz ao Faraó:

'Criei-te para este mesmo objectivo, para que eu possa exibir o meu poder em ti e para que o meu nome seja proclamado em toda a terra'" (versículo 17; Êxodo 9: 16). Deus diz ao Faraó: "Coloquei-te numa posição de poder para poder mostrar ao mundo que eu tenho muito mais poder. Serás um objecto da lição do que acontece às pessoas que resistem ao meu objectivo".

"Por isso", resume Paulo no versículo 18, "Deus tem misericórdia de quem quer ter misericórdia, e ele endurece quem quer endurecer." Ambos podem ser justos. Temos que aceitar o que Deus faz, e não julgá-Lo pelo nosso próprio entendimento.

Paulo, contudo, sabe que este caso é mais difícil, por isso ele diz no versículo 19: "Um de vocês dir-me-á: 'Então porque continua Deus a culpar-nos? Porque quem é capaz de resistir à sua vontade?' A objecção é que não é justo Deus punir as pessoas pela desobediência quando Ele fê-Ias desobedecer.

Paulo não diz se a acusação é verdadeira - ele apenas aproveita a sua posição! "Quem és tu, um mero ser humano, para responder a Deus?" Ele cita Isaías 29: 16 "Dirá o formado àquele que o formou, 'Porque me fizeste assim?"'.

Paulo faz perguntas que enfatizam o abismo entre Deus e os seres humanos: "Não tem o oleiro o mesmo direito de fazer do mesmo bocado de barro alguns vasos para usos nobres e alguns para eliminação do lixo?" Aqui Paulo refere­se a Jeremias 18, onde Deus diz que Ele pode mudar os seus planos para Israel dependendo de como eles Lhe respondam.

Em seguida Paulo coloca outra questão 'e se': "E se Deus, embora escolhendo mostrar a sua ira e fazer conhecer o seu poder, suportasse com grande paciência os objectos da sua ira - preparados para a destruição?" (versículo 22). A maravilha não é Deus rejeitar o Seu povo - é Ele ser tão paciente com todos os que O rejeitam.

 

A liberdade de Deus para chamar o Seu povo

 

Nos versículos 23-24, Paulo faz outra questão hipotética 'e se': "E se ele fez isto para dar a conhecer as riquezas da sua glória aos objectos da sua misericórdia, que ele preparou em adiantado para a glória - mesmo nós, a quem ele também chamou, não apenas dos Judeus mas também dos Gentios?" E se a paciência de

 

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Deus é concebida para nos fazer apreciar a Sua misericórdia? Se Deus é paciente com aqueles que se lhe opõem, quão mais paciente é com aqueles que se voltam para Ele?

Paulo dispensou a questão da justiça e muda agora para declarações sobre o chamamento de Deus. Começa por mostrar do Velho Testamento que Deus está a salvar não os Judeus, mas também os Gentios.

"Como ele diz em Hosea: 'Chamar-Ihe-ei o "meu povo" que não é o meu povo; e chamá-Ia-ei "minha amada", que não é a minha amada'. No mesmo sítio onde lhes foi dito, "Não sois o meu povo", serão chamados "filhos do Deus que vive'lI " (Romanos 9:25-26, citando Hosea 2:23 e 1:10). Hosea fala sobre a restauração dos Israelitas que tinham-se afastado, mas Paulo adapta o versículo para dizer que Deus chama os Gentios, que nunca foram parte do povo de Deus.

Deus pode rejeitar os Israelitas,que o rejeitam persistentemente. Não tem mais obrigações para com eles - estão na mesma categoria que os Gentios. Então se Ele consegue fazer destes rejeitados o Seu povo de novo, então Ele pode fazer de qualquer um o Seu povo. Pode escolher pessoas que antes ignorou, tal como fez com Abraão e Israel. O que deus fez com os Judeus, também pode fazer com qualquer um.

Paulo muda para uma ideia ligeiramente diferente quando cita Isaías 10:22: "Embora o número de Israelitas sejam como a areia no mar, apenas um resto será salvo. Porque Deus cumprirá a sua sentença na terra com rapidez e finalidade" (versículos 27-28). A palavra 'resto' é importante.

"É como Isaías disse antes [em Isaías 1:9]", diz Paulo no versículo 29: "A não ser que- Deus Todo Poderoso nos tivesse deixado descendentes, ter-nos-íamos tornado como Sodoma, teríamos sido como Gomorra." A surpresa não é muitos Judeus rejeitarem. a mensagem, mas alguns aceitarem-na. Se tivéssemos sido deixados a nós próprios, estaríamos desolados. Mas, porque Deus foi misericordioso, um resto de pessoas está a responder. A palavra de Deus não falhou - a profecia de Isaías tornou-se verdade. Um resto está a ser salvo.

 

Israel falha o objectivo

 

"Que diremos então?" pergunta Paulo nos versículos 30-31. "Que os Gentios, que não perseguiam a virtude, conseguiram-na, uma virtude que é pela fé; mas o povo de Israel, que perseguiu a lei como forma de virtude não conseguiu o seu objectivo[?]" Os Judeus tentaram muito ser virtuosos, mas falharam, e os Gentios, que a ignoravam, obtiveram a virtude de Deus.

Porque Israel não atingiu o seu objectivo? Porque estavam a tentar ser virtuosos através da lei. Concentraram-se na lei que os distinguiu e não conseguiram ver que os conduzia a Cristo. Tinham um bom objectivo, mas estavam a persegui-lo do modo errado. "Perseguiram-no não pela fé mas como se fosse pelas acções" (versículo 32). Os Judeus concentraram-se nas suas vantagens, mas essas coisas são ineficazes na salvação. O que precisamos é fé em Cristo.

"Eles tropeçaram na 'pedra que faz tropeçarlll - Cristo (versículo 32). "Como está escrito: 'Vede, deitei em Sião uma pedra que faz com que as pessoas tropecem e uma pedra que as faz cair, e aquele que acredita nele nunca se exporá à vergonha" (versículo 33, citando Isaías, 28: 16). A palavra de Deus previu que a maior parte dos Judeus tropeçaria em Cristo, e isso tornou-se realidade. Mas a pessoa que acredita em Cristo será salva. Um resto será salvo.

Neste capítulo, Paulo colocou o problema - explicando que apenas poucos Judeus aceitaram Jesus como Cristo. Isto não deveria surpreender, porque foi previsto na Escritura. Mas esse não é o fim da história, como veremos nos próximos dois capítulos.

 

Michael Morrison

 

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